o parto indigente - relato
bem, meu parto foi natural, sem qualquer anestesia, nem pra episio me deram. na verdade nem a episio fizeram pq não deu tempo, clarice nasceu de uma única contração e saiu rasgando tudo.
comecei a ter contrações as 19:30 da quinta-feira, de 10 em 10 minutos e foi assim a noite toda até o dia seguinte. de manhã elas apertaram pra 5 minutos de intervalo e fui pro hospital. depois de uma transferência compulsória, uma briga com a médica e algumas lágrimas, dei entrada as 13h00 em outro hospital, com 5 dedos de dilatação e tomaram meu relógio, então não sei como estava o tempo das contrações. fiquei das 13h00 até as 19h00 sentindo dor sem dilatar nada, até me colocarem no soro com ocitocina. aí o bicho pegou, as contrações vinham VIOLENTAS, pensei que fosse morrer, subir pelas paredes, queria minha mãe, minha acompanhante, um pouco de carinho. óbvio que não tinha nada disso, ao invés umas parteiras muito sem educação que gritavam pra gente que na hora de foder não tinha doído, então que ficássemos quietas. haaa, e tinha bem umas 30 indigentes igual eu parindo no local, era virada da lua, estava um inferno. bem, não sei quanto tempo depois me deixaram usar a banheira de hidromassagem, proibida para o horário noturno, deus sabe porque. entrei lá e foi ótimo, devo ter ficado umas 2 horas, consegui relaxar e entrei no expulsivo. como ninguém foi olhar minha dilatação por mais que eu chamasse, fiquei com medo de parir na banheira e fui pro quarto. fiquei mais algum tempo esperando alguém até que me desesperei e saí atrás da enfermeira, estava sentindo as contrações do expulsivo e ninguém olhava minha dilatação. fui capenga, de tripé com soro em punho até o outro quarto e pedi pra alguém me assistir, mas nem ligaram. nesse momento já estava apavorada, minha acompanhante não pôde entrar, só ouvia grito e má vontade das enfermeiras que deviam estar fazendo outra coisa das suas vidas. isso tudo foi me dando um pânico absurdo, sentia que não ia conseguir parir, que faria o trabalho sozinha, queria segurar na mão de alguém, foi horrível, o pior dia da minha vida. algum tempo depois veio uma enfermeira, fez o toque e eu já estava com 8 dedos, então ela estourou minha bolsa. a dor do parto é inacreditável, indescritível, inviável. cada pessoa tem uma tolerância à ela e a minha, dentro desse contexto péssimo, foi bem baixa. se alguém tivesse me proposto sair de lá correndo e procurar uma cesárea eu teria ido de bom gosto. as contrações apertaram mais um pouco e finalmente veio alguém me ver e mandou correr pra sala de parto porque já era a hora. saí do quarto com dilatação total e fui pra lá, andando bem rápido porque a enfermeira agora tinha pressa e a cadeira de rodas provavelmente também não podia ser usada de noite.
lá mandaram entrar minha acompanhante, que já esperava do lado de fora há 10 horas e finalmente alguém segurou minha mão. a parteira me dizia pra fazer força como se eu dominasse meu corpo, que a essa hora já fazia tudo sozinho, a mim só restava gritar. tive algumas contrações e a maior delas trouxe a clarice, de uma só vez, cabeça, ombros e lacerações. a menina foi expulsa de mim com tanta violência que quase caiu no chão, nasceu assustada e minha acompanhante desmaiou nessa hora (23h30). a parteira, enquanto isso, gritava e se descontrolava com a cena, reclamando do desmaio, me acusando de ter me lacerado de propósito porque fiz força demais, que não era pra ter sido assim, agora ela tinha que me costurar, que não ia mais deixar ninguém assistir aos partos. não me deram a clarice pra ver e levaram-na pro berçário, enquanto eu era costurada. quando saí de lá não me deixaram vê-la e me mandaram pra outro andar. 5 horas depois fui atrás do meu bebê e só assim me deram a menina.
ela passou quase dois dias dormindo direto, sem querer nem mamar e finalmente saímos do inferno. não me deram nem receitaram nenhum anti-inflamatório pro corte, não me deram soro com hormônio pro meu útero voltar ao normal, não me ensinaram a dar banho, amamentar, trocar, não me deram vacina, não fizeram o exame do pezinho. quando cheguei no quarto, no pós parto, me levaram pro banheiro, furada do soro e ainda com o frasco vazio pendurado no tripé que eu mesma arrastava e tomei um banho. insisti por algo pra comer e veio um pão francês sem nada dentro. no banheiro não tinha papel higiênico e a água "potável" nos quartos era de torneira.
saí de lá tão passada que demorei muitos dias pra elaborar o ocorrido. a recuperação foi boa, cheguei em casa e dei conta da clarice sozinha. ainda tenho um ponto me incomodando, acho que por ter sido mal costurado, mas os outros já caíram. hoje o parto assumiu outra importância na minha vida, porque se for pensar muito no assunto fico ainda mais magoada do que já estou com o processo. é muito triste viver num lugar onde o serviço público humilha e maltrata o usuário, simplesmente porque ele não tem o dinheiro que lhe compraria alguma dignidade.

1 Comments:
oi Rê!
fiquei comovida com teu relato. eu nasci pelo SUS, há 23 anos, e minha mãe conta como foi maravilhoso o parto dela. o obstetra foi um amor, o atendimento idem. lamentei muito que isso tudo tenha acontecido a ti, mas gostei de ver o jeito que reagistes. A Clarice é tudo o que importa nessa hora. Fostes forte e é assim que ela precisa de ti: forte!
Um beijo grande e felicidades a vocês duas :)
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