tenho pensado muito no meu parto. por conta de uma história de parto recente e muito triste, voltei a ler sobre o assunto e hoje me caíram algumas fichas. o meu parto, que foi natural porém não humanizado, até hoje me deixa com um bolo na garganta por não ter tido o prazer de parir com amor. pq dar a vida é, antes de mais nada, um ato de amor profundo.
fiquei mais de 20 horas em trabalho de parto, as últimas 10 internada. quando comecei a sentir as dores pensei: "graças a deus, que venha a dor da minha filha, ela está chegando e isso me faz feliz." nem achei que estivesse doendo tanto e fui pro hospital já com 4 dedos de dilatação. quando me deram a camisola de bunda estava animada, andava de um lado pro outro pra ajudar na evolução, rebolei muito a cada contração, suando feliz por achar que a dor é danada, mas a experiência é linda. tudo o que eu queria é que minha acompanhante e irmã de coração estivesse comigo, pra me contar umas piadas infames e me dar a mão quando a dor apertasse, mas não deixaram.
quando já estava cansada das muitas horas de dor, falta de sono e estômago vazio, me colocaram no soro para indução, e as contrações começaram a vir insuportáveis. em partos hospitalares esse hormônio é administrado algum tempo antes da anestesia, pq as dores aumentam muito a dor normal do parto, que já é a dor maior de uma vida. eu não sabia disso, ou não teria deixado que me colocassem no tripé (ou pelo menos tentado). quando me vi sozinha com essa dor veio o medo. um medo irracional, achava que não iria conseguir superar aquilo e gritei como nunca na vida. chorei e implorei por companhia, a barriga pesada, o corpo exausto e o coração acelerado. minhas químicas a mil, me sentia embriagada, fora da realidade, a única coisa verdadeira naquele momento era o medo da próxima contração, tão próxima que mal tinha tempo pra respirar. e o medo de parir numa maca de hospital, sem que alguém amparasse minha filha, pq já sentia ela descendo e estavam todos muito ocupados pra dar ouvidos àquela gestante apavorada que chorava e gritava de pavor. me diziam que eu tinha que me calar e suportar, pois meu trabalho de parto estava atrapalhando o das outras gestantes, me negaram o direito de lidar com meus sentimentos da forma como conseguia no momento. desprezaram a minha "covardia" e me trataram como se parir fosse como espremer uma espinha. tenho certeza absoluta que se eu estivesse acompanhada tudo teria sido diferente. teria sido tratada com amor e consideração no momento de trazer minha filha e me sentiria muito mais segura com o calor da minha irmã, que estava aflita lá fora, há mais de 10 horas, esperando notícias.
quando chegou a hora da sala de parto, chamaram-na e ela se assustou ao me encontrar acabada, acuada, tão diferente da mulher que ela internou. muito diferente da mulher que planejou por meses o parto e o desejava natural, mas com amor, calor humano e respeito. uma mulher que estava completamente despreparada pra ter como companhia deste grande momento outras mulheres também acuadas. mulheres que, como eu, lutavam com seus fantasmas. mulheres que mal davam conta de si mesmas, sozinhas na sua dor, nas suas expectativas e sonhos. mulheres a quem foi negada a simplicidade de uma mão conhecida pra apertar e sentir que tudo iria terminar bem.
o resto da história eu já contei, não vou me repetir. escrevi novamente sobre o parto indigesto pq finalmente tomei consciência da minha coragem. a coragem que tive desde a concepção da clarice. a coragem de não me abater e que me mantém em pé mesmo com as dificuldades cotidianas, que não são pequenas nem poucas. a coragem de olhar um futuro que construo com esperança e amor. a coragem de não cair, porque não posso mais me dar ao luxo de cair ou me revoltar. sou o fruto das minhas escolhas e tenho que fazer valer a pena essa vida que gerei, essa pessoa que está sob meus cuidados e quer ser feliz. meu parto foi somente uma passagem inglória e que me fez ver o quanto eu posso lutar e vencer. e isso, por mais infeliz que tenha sido, é meu e ninguém me tira.
há pouco saiu uma lei que obriga as maternidades públicas a aceitar o acompanhante na hora do parto. não é tudo mas já é bastante, é o mínimo que se pode fazer por alguém neste momento.

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